terça-feira, 7 de março de 2017
Unção ou "unchão"?
Me lembro de quando eu era adolescente e aconteciam aquelas manifestações dentro da igreja, pessoas caindo, rolando, gritando, correndo, imitando animais (sim, tinha umas pessoas que abriam os braços e corriam de um lado ao outro da igreja afirmando estarem na "unção da águia"), pessoas com tremeliques, pessoas pulando incessantemente (e foi em um desses pulos que meu irmão bateu o nariz na cabeça de um cearense e encharcou sua camisa de sangue),.. enfim, todo o tipo de coisa que você possa imaginar. Eu ficava muito triste, mas não por discordar de tudo aquilo, mas porque naquela época eu já devia ser um presbiteriano enrustido, frio que não sentia absolutamente nada. Esse ritual do cai cai era praticamente sempre igual, após aquela palavra fervorosa (muito grito e pouca Bíblia) começavam a tocar músicas sobre fogo, poder, unção bem repetitivas, então o pastor falava algumas palavras de efeito, gritando repetidamente "Deus está vindo neste lugar, DEUS ESTÁ VINDO NESTE LUGAR!!!" e pronto, a magia negra acontecia. Os diáconos corriam pra lá e pra cá tirando e empilhando as cadeiras de plástico para que ninguém se machucasse ao cair e lançavam panos sobre as irmãs e irmãos que caíram de alguma forma meio sexy e exibiam as curvas dos seus corpos enquanto recebiam o "poder de Deus". Tinha a fila do cai cai, e era até que organizada, o povo na fila ia orando em línguas, como se fosse um mantra pra quando chegasse na hora H recebessem uma porção dobrada, o pastor empurrava a cabeça dos membros para trás e todos caiam "no poder" e os diáconos iam arrastando as pessoas para o canto enfileirando todos. Aquela cena parecia um massacre de algum acidente, vários corpos deitados um do lado do outro, só não era tão trágico porque as pessoas deitadas se mexiam, choravam, uns esperneavam como se estivessem sendo eletrocutados. Eu, no meio daquilo tudo já tinha meus macetes, quando eu entrava na fila do cai cai eu já ia orando quase que desesperadamente "Deus me dá tua unção, quero cair no poder" e misturava uns labashurias no meio pra dar um tempero na oração, mas sempre era a mesma coisa, o pastor vinha com aquela mão bruta, eu não sentia nada, então me jogava no chão pra não ficar feio, pra ninguém olhar pra mim e falar "Ah lá oh, não caiu na unção, deve estar em pecado", então eu permanecia uns minutinhos na fila do necrotério e depois me levantava e ficava sentado no chão em algum cantinho, com os braços cruzados em cima do joelho e cabeça baixa questionando Deus "por que eu não sinto nada, por que não recebo nada?". Já que eu era um cara frio, a parte mais legal pra mim era organizar as cadeiras novamente junto com os diáconos. Depois de todo esse retété, eu entrevistava meus amigos, meus irmãos na maior expectativa "E ai, o que você sentiu" então todos sempre falavam a mesma coisa.."foi um poder enorme, Deus falou muito comigo, minhas pernas não aguentaram de tanto poder" tinha um que afirmava que toda vez ele apagava e só acordava no final, era uma espécie de soneca santa. Tudo isso, apesar de eu relatar de uma forma meio cômica, era muito prejudicial para a minha saúde espiritual, pois eu acreditava piamente que essas manifestações eram uma recompensa para aqueles que buscavam a Deus, e não importava o quanto eu buscasse a Deus na semana, no culto, o quanto eu chorava por isso, comigo não acontecia nada. A consequência disso foi que me tornei uma pessoa fria de verdade, deixando de buscar a Deus, crendo que cair no chão era coisa de gente muito íntima de Deus e que eu não conseguiria alcançar esse patamar. Tudo se tornou automático, eu ia para a igreja, fingia cair no chão e depois ia para algum canto ficar de cabeça baixa esperando o culto acabar (não tinha Smartphone na época pra passar o tempo) Se você vive em uma realidade parecida, ao mínimo questione se todo esse circo que acontece é coisa de Deus..., eu posso te afirmar que não. Talvez você tenha vivido um evangelho que prioriza emoções, ao invés do fruto do Espírito, um evangelho onde a altura do grito e o número de vezes que a pessoa cai define o quão ela recebeu de Deus ou o quanto ela é íntima Dele. Se você ao contrário de mim é uma pessoa "fervorosa" que sente um choque elétrico espiritual todas as vezes que o pastor coloca a mão na sua cabeça, se questione como seria se você não sentisse absolutamente nada, e o quanto isso iria influenciar na sua vida espiritual.
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